domingo, 25 de fevereiro de 2024

HAJA DEUS

 Pego no livro. Na capa, o título, o nome da autora e em destaque - "Obra recomendada pelas metas curriculares de Português para o 4º ano de escolaridade. Plano nacional de leitura."

Vamos ler, penso eu. O número de páginas coloridas de entrada não me agrada. Umas frases poéticas de cliché e uma declaração em página com fundo branco: Por vontade expressa da autora, o texto desta obra não adopta as normas do Acordo Ortográfico de 1990. Continuo. Páginas com fundo azul claro, cinzento claro, rosa claro em que texto é aberto em caracteres brancos. O texto é longo e (desculpem) pateta.
Que sorte que eu tive! Quando andava no quarto ano lia textos com letras pretas sobre fundo branco. Os textos eram escritos com a Ortografia que a professora me ensinava. Foi no 4º ano (4ª classe como se chamava então) que me apaixonei pela leitura ao ler textos que falavam de búfalos, de caçadas, de desertos e tinham descrições extensas que me faziam sonhar. Não lia textos patetas sobre a bruxa boa que saltava de flor em flor.
No 5º ano (então primeiro de um novo ciclo) deslumbrei me com o terceiro bloco de "O Suave Milagre", com "A Aia" e com a descrição da subida para Tormes de "A Cidade e as Serras" ("Serra bendita entre as serras!"). As histórias tinham sempre uma ponta de mistério e de aventura que me faziam ler sem parar. O suspense era tanto que às vezes tinha de ir espreitar o fim.
Que sorte que eu tive de não darem a ler estes textos xaroposos, tão mal apresentados que exigem um bom par de óculos ou uma lupa e uma infinita paciência. (Não menciono autor nem editora, mas são proeminentes. Haja Deus!)

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

O TRIO DOS QUATRO

Não via há muitos anos as notícias nos canais da TV portuguesa, mas ultimamente espreito e sigo caminho. Vejo pouca televisão, em geral para descomprimir um pouco o que é difícil. Leio as notícias de várias fontes noticiosas estrangeiras durante o dia e quando me interessa algum artigo de opinião.

Em tempos, (creio que há seis anos ou mais) seguia o eixo do mal e outro programa do mesmo tipo na TVI cujo nome me não ocorre, mas desisti por não suportar tanta baboseira. Ontem, reincidi, porque liguei exatamente quando o dito eixo estava a começar.

Acalmem-se. nem metade vi, mas pasmei com a alegria daqueles “inimputáveis” sobre a crise em que o país está mergulhado e o retrocesso que dela virá. Não merecem qualquer respeito os comentários de chacha do Pedro Marques Lopes que além de patetas não tinham sequer um fio lógico, a alegria exuberante do idolatrado Daniel de Oliveira face a esta crise e ao desmoronar da esquerda (que para ele é direita), e as profecias de calamidade da Clara Ferreira Alves. O único que mostrou alguma preocupação e seriedade nas palavras foi o quarto comentador, o representante da direita cujo nome esqueci. Este quarteto palrador não tem nada a ver com esta crise, passem embora os artigos demolidores do Oliveira contra o António Costa e o governo, as palavras arrasadoras dos outros, e toda a campanha violenta contra este governo que os quatro conduzem há anos. Nós temos responsabilidade porque fomos votar. Eles não, porque com o seu olho desvendador já sabiam o que ia acontecer.

E falam das eleições na Holanda (Credo! Abrenúncio!) com mal-escondido agrado (“Eu bem tinha dito! “Claro, o Ventura vai vencer!” “Nós já sabíamos.”) E esfregam as mãos de contentes, porque o Ventura nunca terá melhores arautos e o emprego deles está garantido. Com estes comentadores sem qualquer formação ou informação a não ser a conversa de café, a extrema-direita está garantida porque bem ou mal ela exprime preocupação com a crise e, embora enganadoras e perigosas, apresenta alternativas e também adora estes patetas de esquerda e de extrema-esquerda que não têm responsabilidade por nada.



terça-feira, 7 de novembro de 2023

SONHAR É FÁCIL - Duas histórias com UN happy end

 A senhora mora numa Junta de Freguesia lisboeta, com muito comércio e escritórios, aonde a EMEL ainda não tinha chegado e isso deixava-a desesperada. Caminhava para a Junta de freguesia e fazia um pé de vento, exigindo que a sua reivindicação fosse atendida, moveu céus e terra, convencida que uma vez a EMEL instalada ia ter um lugar de estacionamento privativo.

 

A EMEL chegou finalmente. Agora a denodada senhora tem sempre o carro na garagem.

— Nunca tenho lugar. Quando há um lugar, aparece sempre alguém e eu não posso sair para lado nenhum, só à noite e mesmo à noite é difícil.

— Ah, pois é. A quem o diz.

 

Esta outra rotunda senhora mais o estimado marido, ambos velhos a cair da tripeça. estavam hoje radiantes. Na Note do Fonte Nova ofereciam champanhe e marisco a quem quisesse celebrar com eles a demissão do Governo de António Costa, convencidos que a inflação vai acabar, os médicos e todo o pessoal de saúde vão ter aumentos supimpas e horários fantásticos, um fila interminável de empregos vai surgir, os professores vão subir tantos escalões que correm o risco de pousar numa nuvem, a ordem vai reinar, os imigrantes não põe cá mais o pé, a TAP vai ser sucesso, as casas vão ser baratas para quem as alugar, se forem eles os inquilinos, mas caras se forem os proprietários, os bancos vão distribuir os lucros pelos clientes, enfim…

— A pouca vergonha vai acabar!

— Ah, pois vai! A quem o diz,




sexta-feira, 13 de outubro de 2023

E, NO ENTANTO, AMBOS “FALAM DO SEU PRÓPRIO TEMPO

 

"Um teatro, uma literatura, uma expressão artística que não fale do seu próprio tempo não tem relevância." Dario Fo

 

Quem sou eu para contrariar o teu ímpeto revolucionário, ó Dario, mas, para mim, tudo fala do "seu próprio tempo", nem que seja através da mediocridade ou da banalidade. A literatura de cordel, os textos gongóricos e inflamados do séc. XIX (e não só), o Dantas, os dantinhas e os dantescos, as telas poeirentas e esquecidas, as partituras que as traças vão devorando ou já devoraram, o teatro das feiras e do adro das igrejas, tudo fala da sua época.

 

Pois tudo que o ser humano produz, e que é ou pretende ser arte, espelha uma vivência, uma inspiração, um desejo de comunicar, uma vaidade, ou um pedido de ajuda.

 

Conhecida ou ignorada, a produção “artística” de uma época traduz a realidade de uma forma subtil, mordaz, incisiva, ou sem força ou interesse, mas nela tanta informação sobre uma comunidade, uma cultura, um lugar, um período no tempo.

 

O mérito de um legado requer o reconhecimento dos que o observam, dos que o analisam, promovem ou ignoram.  Só alguns conseguem atingir o alvo com tal impacto que permanecem e cabem na tua frase, Dario.

 

Mas se muitos alcançam relevância mesmo que assente na mediocridade, (morra o Dantas! Pim!), outros vivem na obscuridade apesar do brilho do que produzem. Talvez venham a ser descobertos mais tarde, ou não. Não é verdade, ó Vincent?

 

E, no entanto, ambos “falam do seu próprio tempo”, ó se falam!

 

quinta-feira, 5 de outubro de 2023

Novíssima Cartilha Ilustrada", uma sátira à "Cartilha Escolar (Ler, Escrever e Contar), de Domingos Cerqueira,(1912).

Uma paródia, de Pedro Monteiro e de Rodrigo Monteiro, ao método designado analítico-sintético, usado nas cartilhas de de aprendizagem da leitura e da escrita adotadas no início do séc. XX para alunos da 1ª classe. O conceito de livro único ainda não existia. Vai chegar no tempo de Salazar com o célebre "Livro da Primeira Classe". No período da República havia pois várias cartilhas e todas enfermavam dos aspetos ridículos que Pedro e Rodrigo Monteiro satirizam de uma forma excelente. 

Como hoje é o dia em que se celebra a implantação da República, queria apenas lembrar que, apesar dos aspetos realmente absurdos destes livros, foi feito, neste período, um esforço notável de construção de escolas e de alfabetização de um país praticamente constituído por analfabetos. Este esforço foi depois continuado no período salazarista com uma mais bem montada estratégia de separação de classes e de formação de um grupo de trabalhadores submissos e disciplinados. "O Livro da Primeira Classe", publicado em 1941 (apesar de haver tanta gente, incluindo o próprio Ministério da Educação que ignora a data exata dessa publicação) é um exemplo de um livro que serve de uma forma certeira e despudorada um objetivo. Até as maravilhosas ilustrações de Raquel Roque Gameiro, a quem presto a minha homenagem, contribuem de uma forma eficaz para jamais o esquecermos. Mas, na verdade, e aprendi a ler por esse livro, o que nos fica na memória são essas imagens belíssimas e alguns poemas ingénuos. Só muito mais tarde me apercebi do conteúdo ideológico do livro. E isso talvez se deva ao facto de as pessoas viverem de tal modo imersas na beleza estética do próprio livro que ficavam indiferentes ao seu conteúdo. Eu andava num colégio de freirinhas que nos levavam a desfiles e paradas. Içava a bandeira nacional, vestida com a farda da mocidade portuguesa, no dia 1 de dezembro, porque era loirinha e bonita e isso condizia melhor com o aparato do momento. Mas, questões de feitio, nada daquilo me tocava, nem as missas, nem as paradas, nem os hinos. Ficava tudo à flor da pele. 




DE NOVO "PARASITAS" OU A TECNOLOGIA COMO UMA ARMA


Vou voltar aos "Parasitas". Insólito e profundamente "metafórico" (uma das palavras mais usadas neste filme). O telemóvel aparece como uma arma - uma pistola ou uma metralhadora que te manieta e te impede de fugir.
Imaginem dizer "Mãos ao ar!", apontando um telemóvel.




quarta-feira, 13 de setembro de 2023

UM MUNDO EXTREMAMENTE COMPLEXO

 Ontem assisti a uma grande parte do debate na RTP1 sobre a crise do jornalismo. Só desisti quando se começou a tornar obsessiva na minha mente a imagem de um grupo de aves de grandes e afiados bicos a tentarem com golpes certeiros partir uma pedra, talvez um ónix ou um diamante.

As aves eram os convidados, os golpes certeiros as intervenções. Todas acertavam na pedra. A pedra era a complexidade do mundo em que vivemos e a insolubilidade do problema que discutiam.